O Clube de Leitura lê Bagagem de Adelia Prado com reunião no dia 29 de agosto de 2024 das 1400 às 1600 horas.
Adélia Prado
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Bagagem
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Poemas
Com Licença Poética
COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Com Licença Poética em Bagagem (2003) de Adélia Prado
Tempo
TEMPO
A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.
em O Coração Disparado (2006) de Adélia Prado.
Vídeos
Referências
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- Poesia de Adélia Prado torna o cotidiano universal, político e social, Ganhadora dos Prêmios Camões e Machado de Assis, escritora extrai momentos epifânicos do dia a dia. 05/07/2024 – Luiz Prado no Jornal USP.
- ALINE GISELE ROSKOSZ BITTENCOURT – POESIA E ROSTIDADE: A “BAGAGEM” DE ADÉLIA PRADO, tese de mestrado na UFPG.
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